quinta-feira, 4 de novembro de 2021

A Tapera da Véia Zeca

 


A tapera da véia Zeca

"Este jornal vai ser feito para toda a massa, não para determinados indivíduos de uma facção". Foto: Arquivo CP

O Severino, na ocasião deste causo era gurizito taludo, de doze prá treze anos, e como sempre era mui entonado, e se” gabava” que de assombro não corria, embora na verdade se borrasse de medo de um dia se topar com alguma alma de outro mundo.
Por balaqueiro que era , é que se deu o causo que lhes conto, pois tanto se vangloriou da sua suposta coragem, que teve que agüentar a pataquada e passar uma noite solito na tapera da véia Zeca. Segundo diziam, uma tapera assombrada, lá na beira do Cerro da Ronda. Uma toca de morcegos, ratos e cruzeiras.
Pois saibam que, realmente, existiu a véia Zeca, uma viúva que deveria andar por volta dos 90 e pico de idade. A bruxa da Costa do Cerro, a véia benzedeira.
Era magra como uma taquara, alta como um jerivá, meia corcunda e nariz de cocóta, e como naquele tempo, viúvas usavam luto fechado, andava de preto, desde o chinelinho de pano até o lenço da cabeça, e por isso, para a gurizada,, era vista mesmo, como uma bruxa, pois, além disso tudo, vivia solita, com um gato preto, até o dia em que o Patrão Velho a chamou para a querência grande, tendo ficado a beira do cerro, apenas a tapera, com os cacarecos da pobre velha.
Era na verdade, uma boa pessoa, serviçal e habilidosa no “aparo” do piazedo, mas a aparência e todos aqueles rituais de benzedura que usava, provocava um certo medo na gurizada, pois não faltava quem os assustasse afirmando que a velha era mesmo uma bruxa, e que em noites de lua cheia voava de à cavalo em uma vassoura de chirca e, que roubava as crianças, de uma mãe para entregar a outra, quando fazia parto.
Ninguém se arriscava a anoitecer perto da tapera, pois diziam que se apagava o fogo, a cavalhada se soltava da soga, e aconteciam muitas outras coisas que ninguém até hoje encontrou explicação, e tampouco provou ser verdade.
Pois como ia lhes contando, foi na tapera da véia Zéca, que aconteceu este causo e tudo porque o piá Severino de tanto ser mostrado, o Emerenciano Saraiva e o Deodato Rosa, que na época eram guris quase da mesma idade, fizeram ele provar que não tinha medo de assombro, passando uma noite solito dentro da tapera.
Foram os piores momentos de sua vida, se apavorando toda vez que uma coruja piava ou um rato corria.
A noite era escura, embora a lua cheia, pois de quando em vez as nuvens pesadas encobriam a rainha da noite, o vento assobiava puxando chuva e alguns pares de raio pareciam rasgar o céu.
Os caibros estalavam, e as poucas janelas que restavam rangiam nas dobradiças. Até as árvores na volta pareciam gemer.
Severino escutava os sorros, os guarás, os guinchos dos ratos e todo aquele gritedo, parecia entrar miolo adentro e o levavam a pensar consigo que todos aqueles gritos eram de medo.
Até pisadas ele pareceu escutar e sentiu a respiração de quem ele não conseguia enxergar. Ás vezes até lhe parecia vislumbrar algum vulto, entre um “mandado” e outro.
O frio subia pela espinha até arrepiar os cabelos, e os dentes batiam de tal jeito que lhe doíam as carretilhas, mas enfim, ele precisava honrar a pataquada e embora tremendo como vara verde, ficou na tapera, disposto pelo menos a tentar agüentar aquela noite de pavor.
Tentando se proteger do vento e da chuva que ameaçava cair, arrastou os cacarecos da casa e encostou onde um dia tinham sido portas e janelas e, sem querer, tampou a porta do rancho com um guarda-roupa velho, que com o vento ficou batendo a porta, e balançando o espelho pregado nela.
O Emerenciano e o Deodato, que na verdade não ficaram cuidando para o caso do Severino tentar fugir, conforme prometido, mas voltaram ao rancho e se cobriram com lençóis brancos e ainda fizeram máscaras de porongo e colocaram dentro, vidros cheios de vagalumes.
Queriam garantir o susto no amigo e fazer com que admitisse que estava acoquinado de medo.
Quando chegaram à tapera, uma coruja rasgou mortalha e o céu véio se riscou num raio, refletindo os dois no espelho da porta do guarda-roupa embalado pelo vento.
Aqueles dois vultos brancos, com uma caveira luminosa em cima dos ombros, fazendo um lusco-fusco, pelos buracos de olhos, boca e nariz era o quadro do terror.
Sever0ino não se assustou porque não viu nada, na verdade,nem olhava pra fora de tanto medo, mas o Deodato e o Emerenciano, que viram esses vultos, sem saber que era o espelho, levaram tamanho cagaço, que fez darem os costados no rancho em questão de minutos, sem fôlego e brancos como morim quarado.
Nunca mais desafiaram o Severino, o que foi uma prova de reconhecimento da sua “coragem”, mas com a noite de cachorro que passou, também deixou de ser balaqueiro, pois não agüentaria outro desafio igual. Además, haja sabão pra lavar as ceroulas depois….!

(Severino Rudes Moreira/2015(À beira do fogo)-Causos Gauchescos-Martins Livreiro

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Sósias

 Assim me assuntou o José Luiz dos Santos, um baita contador de causos !

-” Sabe Malu, pelo meu corpinho de bailarino espanhol, (kkk) existem muitas pessoas que se parecem comigo, ou eu me pareço com elas! Frequentemente, sou abordado por terceiros, me perguntando se eu sou o fulano, o beltrano, ou sicrano. Levo sempre na esportiva. Às vezes dou trela, outras encerro o assunto logo. Vou relatar algumas situações de alguns sósias que me arrumaram:
COBRADOR DE ÔNIBUS
Cheguei à agencia do BB de Santa Maria para sacar uns trocados e uma senhora me abordou:
-Oi, disse ela.
-Oi,respondi.
-Parece que não tá me reconhecendo, disse ela.
-Não tô mesmo, disse-lhe.
-Tu não és o Genésio, cobrador de ônibus ?
-Não senhora.
-Claro que é. Tu não tá fazendo mais a linha Parque do Pinheiro?
-Não senhora.Não sou cobrador de ônibus.
Respondi e fui entrando e ela continuou:- Só porque não faz mais a linha, tá todo cheio.
Não dei mais conversa e entrei. Só ouvi dizer: Insibido !

INSPETOR DE POLÍCIA
No estacionamento do Atacadão, guardava as compras no carro quando o motorista de veículo ao lado, que recém tinha chegado, me indagou:
-Já te aposentou, tchê? disse ele.
-Já, respondi.
-Ainda bem que parou de caçar bandidos, disse ele.
– Ué, nunca cacei bandidos, respondi.
-Tu não és o inspetor de polícia Quaiato?
-Não não sou, respondi.
-Mas é parecido, disse ele.
-É, tem muita gente que se parece comigo, respondi.
-Então te cuida, tchê, senão qualquer dia tu podes levar um tiro por engano.
Mui amigo o vivente, não?!

Pois olha, tem muito mais destes causos sobre sósias, depois eu conto mais 

"HACE GUÁ"

 


Quando eu era” guria pequena” lá em Bagé, a Rainha da Fronteira, costumávamos fazer compras pegando a Carreteira em direção ao Aceguá, na fronteira do Brasil com o Uruguai.
Lá nos abastecíamos de Azeite de Oliva, guloseimas como caramelos, o famoso dulce de leche que é uma delícia, carne de gado, o Jamón(presunto) e queijos, as famosas galletas, bolachas muito gostosas que vinham em saco daquelas de farinha e nos divertíamos por horas a fio “roendo” aquelas delícias.
Aceguá é uma localidade que tem o mesmo nome com duas nacionalidades, isto é, “doble chapa”, mas constituídos de uma só população. De um lado o município de Aceguá no Brasil e do outro lado o distrito ou vila de Aceguá no Uruguai. A origem do nome Aceguá no dialeto Tupi-Guarani é Yaceguay ou “yace-guab”, e possui diversos significados, entre eles “Divisa ou Lugar de descanso eterno”, indicando o local que os indígenas escolhiam para viver seus últimos dias, por ser um lugar alto que descortinava uma visão panorâmica da região e proximidade com o céu (provável cemitério indígena); outro significado é “Terra alta e fria”, características geográfica e climática do local; outra interpretação é “Seios da lua”, por ser local com cerros altos (Serra do Aceguá). Segundo o folclore popular da região , a origem do nome Aceguá, vem do Lobo Guará ou Sorro . Foi por mais de dois séculos “El Camino de Los Quileros”, que seriam os contrabandistas castelhanos e portugueses. Eles circulavam com mercadorias em lombo de cavalos, conforme as demandas de cada um dos mercados da banda Ocidental e Oriental da fronteira. Estes ao passar pelos cerros e ouvir o uivo dos “Sorros “ diziam, “Hay um bicho que hace guá”.
Camino de Los Quileros inspirou uma canção do poeta bageense Eron Vaz Mattos.
A formação da vila do Aceguá é resultante do comércio informal entre os dois países, pois a fronteira seca é um caminho natural entre países limítrofes. Sua etnia é diversificada, composta por descendentes de portugueses, espanhóis, índios e negros, que formaram o gaúcho ou “el gaucho” nos dois lados da fronteira.
A região também tem a presença da colonização alemã, resultante das comunidades rurais de Colônia Nova, Colônia Médice e Colônia Pioneira, com hábitos e tradições germânicas. A imigração árabe em a sua marca forte, com costumes e tradições próprias, que passaram a explorar e dinamizar o comércio local.
Aceguá no século XX, principalmente no período após a Segunda Guerra Mundial com a carência de proteína vermelha e de agasalhos na Europa, passa por um período de grande desenvolvimento e fortalecimento na exportação da bovinocultura de corte e ovinocultura, produtos altamente expressivos até hoje no PIB do município.
Os índios Guaranis, ao que tudo indica, já habitavam, eventualmente, a localidade de Aceguá, antes do descobrimento do Brasil, que por ter uma pequena altitude em relação ao nível do mar se tornava uma região estratégica para observação e caça.
O clima da cidade que divide Brasil e Uruguai é variado e bem definido, ou seja, as temperaturas extremas variam de -5ºC até 38ºC durante o ano.
Na localidade, a fauna e a flora são diversificadas. A flora nativa impressiona pela qualidade das gramíneas. Aves e mamíferos típicos da região, como sorro, zorrilho, capincho, veado, ema, joão-de-barro, entre outros. Apesar de historiadores acreditarem que a cidade é habitada há mais de quinhentos anos, os primeiros registros datam de 1752, quando o índio Sepé Tiarajú, barrou os trabalhos das Coroas Ibéricas que vieram cumprir o Tratado de Madrid.
Na história, Aceguá foi rota de passagem em momentos históricos, como em 1773 que Vertiz y Salcedo cruzaram a cidade a fim de fundar o Forte Santa Tecla. Em 1811, D. Diogo de Souza passou para conquistar Montevidéu com três mil soldados. E em 1893, quando Gumercindo Saraiva entra no território Rio-grandense para deflagrar a Revolução Federalista.
Após alguns tratados de território e de limite, em 09 de maio de 1915, o Presidente da Província, Borges de Medeiros, reuniu-se com o Presidente do Uruguay, Feliciano Vieira, para a inauguração do Marco número 1, em homenagem ao Barão de Rio Branco.
Aceguá hoje é uma das fronteiras importantes que o Brasil possui, sendo mais uma rota comercial.

(Baseado em texto do jornalista D.Franchi)